Luiz Gonzaga Villela, o meu herói (Por Neco Torquato Villela)

Quase toda criança tem seu pai como um herói, mesmo sem nunca ter presenciado um ato de heroísmo paterno. Eu tive a alegria de presenciar vários atos de heroísmo do meu pai. Conto agora um dos que mais me marcaram:

Era mais um fim de domingo em que eu e meu pai compartilhávamos a sala da nossa casa, cada um deitado em um sofá, ambos absorvidos pela tela da TV. Como sempre acontecia em dada altura da noite, peguei no sono no meio do programa. Acordei uma hora depois com minha mãe em prantos, sentada à beira do sofá onde eu dormia, murmurando a meu pai que não aguentava mais, que tudo estava muito difícil. Meu pai respondeu à minha mãe: “Você sempre foi uma mulher forte, Marieta! Vamos superar isso juntos!” – falando em tom firme, meu pai tentava animar minha mãe, que já a algum tempo sofria de transtornos depressivos.

Meu coração apertou-se ao ouvir os soluços da minha mãe, a mulher alegre e forte que sempre foi, mas que agora parecia triste e frágil. Pensei em me levantar, abraçá-la e dizer a ela que eu também iria ajudá-la a superar, não sabendo muito bem o que ou de que modo, afinal, eu não sabia nem o que era depressão. Porém, a coragem me faltou. Fiquei ali, deitado, fingindo dormir, escutando as dores de minha mãe e o esforço de meu pai em mantê-la motivada.

No dia seguinte, acordei pela manhã com o choro do meu pai pela casa. Imaginei que meu pai estava com a mesma doença da minha mãe, pois, nos últimos meses, minha mãe andava pela casa com a feição triste e chorando muito. Ao me levantar da cama, a empregada da nossa casa me pegou pela mão e me conduziu até o meu pai. Ele me recebeu com lágrimas nos olhos e disse: “Sua mãe morreu, meu filho!” e me abraçou.

Como uma criança de 12 anos reage a uma notícia dessas? Senti a tristeza consumir meu corpo e o mundo desabar. Não conseguia processar corretamente a notícia, tamanha a descarga emocional que tomou conta de mim. Só me lembro de meu pai me abraçar com força por um tempo, depois ele me pediu para trocar de roupas e fui levado para casa da minha tia Mirtes. Me lembro de ter passado o resto do dia lá, dormindo, até a hora do sepultamento, no fim da tarde, quando fui levado para a Igreja Matriz e dali para o Cemitério Municipal. Do sepultamento não me lembro muito, a não ser de chorar bastante.
A noite caiu e nossa casa estava cheia de parentes e amigos, alguns vindos de longe, como os irmãos de minha mãe e minha avó materna, todos vindos de Belo Horizonte para o sepultamento. Os sentimentos predominantes eram os de tristeza e de comiseração, este último eu senti ser direcionado a mim e a meus dois irmãos.

Meu pai, mergulhado em seus pensamentos, sentado à mesa da cozinha, fumava um cigarro atrás do outro. Me sentei à mesa com ele, na cadeira à sua frente. Minha tia Maria, irmã mais velha de minha mãe, veio e se sentou na cadeira da cabeceira, com os olhos lacrimosos e vermelhos. Com sua voz sempre serena e cheia de bondade, tia Maria perguntou a meu pai: “Luiz, você não acha melhor levarmos as crianças para morar conosco, em Belo Horizonte?”

Meu pai apagou o cigarro, olhou nos meus olhos carregados de tristeza e incertezas, depois olhou para minha tia e disse com gentileza: “Maria, essas crianças acabaram de levar uma pancada da vida, não vou permitir que levem outra. Elas precisam de mim agora mais do que nunca. Eles ficarão comigo!”

Ao ouvir a conversa de meu pai e tia Maria, por alguns instantes senti a esperança encher meu coração, seguida de uma sensação de conforto, em meio a tanta tristeza e dor daquele dia. Minha memória ficou marcada com esse gesto de amor e coragem de meu pai que respondeu com o coração, em favor de nossa união, em um ato que, para mim, foi de heroísmo.

Os primeiros anos sem minha mãe foram uma fase de imensa dor e desafios para todos nós. Somente com o passar do tempo e, principalmente, nossa união e apoio mútuo encontramos uma forma de seguir em frente. Alguns anos depois, meu pai decidiu se casar novamente e, assim, Lenisse se tornou nossa mãe de coração, fortalecendo ainda mais os laços da nossa família.

Meu pai é minha maior referência de coragem e heroísmo. Ele é a prova de que o amor verdadeiro pode superar qualquer obstáculo, e que um pai amoroso é capaz de fazer qualquer sacrifício por seus filhos. Estou eternamente grato por ter um pai tão incrível e por ter crescido com a sua influência positiva em minha vida. Obrigado, pai, por nunca desistir de nós e por nos guiar com amor e determinação. Você é o nosso herói!

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