Leia um trecho de “Quarentena aos Quarenta”, obra ambientada em Santa Rita do Sapucaí

Recentemente, o autor Carlos Romero Carneiro lançou a sua sétima obra literária, “Quarentena aos Quarenta” onde conta um pouco de seus desafios e tropeços, durante a pandemia. Além de abordar os tempos de quarentena, a obra narra as aventuras e dramas do autor, tendo Santa Rita do Sapucaí como pano de fundo. Leia a seguir, um trecho do livro:

A rua onde vivi os meus primeiros tempos estava impregnada de vida. A oficina do meu pai era o ponto de convergência de dezenas de amigos que passavam por ali, o dia todo, para matar o tempo. Havia geladeiras, ferramentas e graxa por todos os cantos. Os seus empregados gritavam, mexiam com quem passava e as brincadeiras se misturavam aos sons do compressor, esmeril e de um rádio que tocava velhas modas populares. Uma moeda colada na calçada, em frente à porta, atiçava a criançada que transitava a caminho da escola e que se abaixava para tentar pegá-la. A brincadeira durou algum tempo, até que um moleque chegou com uma talhadeira e um martelo. No fim da tarde, as geladeiras eram todas afastadas, as ferramentas guardadas e o pequeno cômodo se transformava em garagem de um velho Dodge Polara.

Eu vivia em um sobrado enxertado em cima da pequena oficina. Bem em frente a um armazém que vendia de tudo um pouco. A molecada da rua não fazia cerimônia para invadir o estabelecimento, avançar sobre um quintal nos fundos e despontar na rua de cima. Os mais velhos usavam chapéus e roupas de outros tempos. Espiavam o movimento e se preparavam para se despedir da vida. Havia um grupo escolar no início da rua e uma igreja no extremo oposto. De lá, era possível ouvir o som dos sinos que prenunciavam missas, mortes e festejos. Duas cornetas, no alto da torre, executavam a “Ave Maria”, às seis da tarde. Meninos serpenteavam de um canto para o outro, brincavam de queimada, pique e mana mula. De hora em hora, a sirene anunciava o intervalo entre as aulas. A cada estação, uma nova febre. Primeiro, os ioiôs, depois as figurinhas, skate e as pipas compradas na cadeia. Minha coleção favorita era de pequenas estampas coloridas, feitas com latinhas circulares, conhecidas como “Chapinhas de Ouro”. Ainda guardo algumas delas em uma caixa surrada de Ortopé, junto aos chaveiros e antigas moedas. Duas irmãs da rua de cima eram as meninas que todo mundo sonhava em namorar. Metade dos molequinhos gostava de uma e a outra metade da sua irmã gêmea. A criançada espiava de longe, ameaçava um comentário, mas ninguém ousava um aceno. Uma torrefação, na rua de cima, espalhava um forte aroma de café. Os gritos estridentes de uma siriema podiam ser ouvidos em todos cantos do bairro. Eu nunca tinha visto aquele bicho. Pela potência do canto, imaginava ser um pássaro de proporções pré-históricas. Todas as manhãs, um ambulante velho e de chapéu passava com um cesto de paçocas enroladas em cones de papel de pão. Seu concorrente era um homem sem um dos braços que carregava uma lata de bijus e uma matraca. Vez ou outra, crianças pobres desciam a rua para vender pirulitos de açúcar queimado, enrolados em papel manteiga. Ajudavam os pais nas despesas.
Cabeça, Vaca, Foca, João It, Lambari, Dedé, Tatinha, Paçoca, Juninho e meia dúzia de agregados. A nossa turma, que já era volumosa, ganhou reforço quando Aldo se mudou para a rua de baixo. Era um moleque engraçado, que só falava de caminhões. Lia todas as edições da “Carreteiro”, visitava as oficinas mecânicas e tinha um jogo de Super Trunfo sobre grandes carretas. Mal entrou na vida adulta, tirou carteira C e nunca mais foi visto. Nosso grupo montou um time de futebol chamado Milionários e os quinze pernas de pau cabiam no fusquinha sete oito da minha mãe. Nós tocávamos na fanfarra da escola, azarávamos as menininhas e pedalávamos pelas ruas da cidade. Cabeça perdeu o pai ainda criança e amadureceu bem antes de nós. A sua mãe fazia faxina, lavava roupas e vendia chupa-chupa para sustentar os três filhos pequenos. Como ele não era sócio do clube, íamos brincar na fonte luminosa. De vez em quando, eu entrava no rio, mas o Cabeça não sabia nadar. Sempre que chegava em casa com a camiseta suja de terra, o meu pai desconfiava que tinha feito merda e eu entrava no chinelo. Aos domingos, depois da missa da noite, a criançada se aglomerava em frente à Matriz. Um libanez vendia pólvora, bombinhas e biribas. Era a diversão da molecada. O aroma que partia dos carrinhos de pipoca tirava a atenção dos fiéis, que aguardavam a consagração, e se espalhava pela praça. Misturava-se ao cheiro de balas exalado por todos os poros de uma criançada que fluía livremente pelo jardim. Eu via aqueles vendedores de algodão-doce, com seus postinhos perfurados de PVC, e planejava comprar uma máquina de fabricar a guloseima, quando acertasse na Esportiva.

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Título: Quarentena aos quarenta
Editora: Marmota Books
Páginas: 144 páginas
Gênero: Autobiografia

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