O senhor nasceu em Santa Rita?
Eu nasci em Volta Redonda, em 1946, quando meu pai trabalhou na Cia Usina Siderúrgica. Quando voltou para Santa Rita, em 1954, passou a trabalhar em uma escola rural do Bom Retiro e eu aprendi a ler com ele. Nós moramos na roça até quando eu fiquei doente e nos mudamos para uma casa atrás do Grupão, emprestada da Dona Adélia Duarte, irmã da minha tia.
A minha infância foi muito sofrida, não só pela falta de dinheiro, como também pela minha enfermidade.
Conte-nos sobre sua enfermidade
Quando eu morava no Bom Retiro, apareceu um caroço na minha cabeça. Um cirurgião, Dr. Armando Ribeiro, fez a intervenção, mas o ferimento cresceu. Para o diagnosticar, foi preciso fazer uma biópsia. Nos exames, um médico disse que eu teria que ser tratado com radioterapia e que ela deveria ser feita em São Paulo. Quem pagou o tratamento foi a Dona Sinhá Moreira e eu fui atendido por um grande médico chamado José Carvalho, colega de ginásio do meu pai. O diagnóstico acusou um hemangioma (tumor benigno no vaso do couro cabeludo) e eu fui encaminhado para o setor de pediatria do Hospital do Câncer. No quarto, havia televisão e foi a primeira vez que vi o indiozinho da Tupi. De fato, eu não só recebi ajuda moral, como financeira de muita gente. A Dona Sinhá ajudou muito. Dona Baget também.
Em seguida, apareceu um caroço na minha perna que doía muito. No Hospital do Câncer, disseram que era uma osteomielite e me mandaram para o Hospital Geral. Como eu não conhecia ninguém, demorou para sermos atendidos. Nos deram uma caixa de terramicina e viemos para Santa Rita. Aqui, o senhor Arlete Telles Pereira e seu irmão Acácio souberam do caso e me levaram para Belo Horizonte, onde conheciam muitos médicos. Quando cheguei ao hospital, fizeram a biópsia novamente e eu fiquei na pediatria. Eu era o menorzinho da turma. A molecada era toda barrigudinha e eles diziam: “O que nós temos é exxxquistossomose!” Um dia, chegou uma enfermeira com sotaque mineiro e falou: “Quem é o menino que vai cortar a perna?”. Nisso, uma outra tentou consertar a situação e elas foram embora. A história que me contaram foi que eu ia tirar os pontos. Lembro de várias pessoas de Santa Rita rezando e eu achei estranho porque uma enfermeira colocou um crucifixo no meu peito. Antes da cirurgia, um bispo veio me crismar. Quando eu voltei, notei que tinha uma toalha em cima de mim e que meu pai ficava o tempo todo com o braço por cima. Um hora ele saiu e eu levantei o pano. Quando vi que estava sem perna, meu pai começou a chorar e eu falei: “Pai, não fica assim. Se Jesus que era o filho de Deus sofreu tanto, isso para mim não é nada.” Esse fato repercutiu muito fora dali e, depois da operação, acabou surgindo a hipótese de um milagre.
Quando voltei, levantei o colchão da minha cama para pegar uma revista e encontrei uma carta do senhor Acácio Telles Pereira, que dizia: “Estamos enviando um garotinho, diagnosticado com tumor maligno. Por favor, façam tudo por ele porque, segundo os médicos, viverá no máximo seis meses.” Aí eu pensei:
– Eu não quero morrer, não… Eu vou é viver!
Subi as escadas do grupão, procurei a dona Carmélia Vono e falei:
– Dona Carmélia, eu não quero esperar a morte chegar. Quero voltar a estudar! Ela me disse para ir ao quadro escrever algumas coisas e voltei para a escola.
Conte-nos sobre a sua época de escola
No Grupão, conheci a Dona Ordalina Faria Costa e foi com ela que aprendi a declamar. A primeira poesia que declamei foi “Retrato de Mãe”. Uma coisa interessante foi que, de um lado do papel, havia uma fotografia de Nossa Senhora e, do outro, a letra da poesia. À medida em que eu lia, ia desenrolando o papel e o rosto de Nossa Senhora ia aparecendo. As pessoas se emocionaram muito com a apresentação e, nesse dia, percebi que tinha o dom da palavra.
E a sua infância, dali para a frente?
Nesse tempo, eu tinha passagem livre no cinema e não sabia por que. Foi também nessa época que conheci a família do senhor Mário Brandão e fiz amizade com seus filhos. Na casa deles, eu jogava futebol e todo mundo achava admirável me ver matar a bola com a muleta e depois chutar. Pular o muro era outra de minhas especialidades.
Mais tarde, o senhor se tornou radialista?
Aos 16 anos, criamos um programa de rádio na difusora chamado “Semana em Revista”. O Paulo Renato fazia crônicas e eu lia poesias e trovas. O Rubens Carvalho era outro amigo que também participava bastante.
O senhor trabalhou em jornal impresso?
Tudo começou por causa de um amigo. Certa vez, chegou à cidade um rapaz chamado Gerson Melo. Ele veio fugido da polícia do Rio de Janeiro, por conta de sua participação no movimento estudantil, e havia trabalhado no Jornal do Brasil. Escolheu Santa Rita porque queria estudar na ETE e nos convidou para montar um jornal chamado “A cidade”. Desde então, passei a escrever a coluna de Esportes.
Eu e o Rubens gostávamos de acompanhar os casos no Fórum. Íamos sempre aos julgamentos e fazíamos a cobertura para o jornal. Em um deles, conhecemos a história de um homem do Bom Retiro que matou a esposa porque ela havia se recusado a manter relações com ele na noite de núpcias. O advogado de defesa era o Doutor Arlette que, em seu discurso, disse: “Vejam senhores! Este matuto da zona rural casou-se com sua amada e ela o ofendeu moralmente! Esse mineiro, com sua violinha, cantava à luz do luar e foi humilhado pela esposa!” No intervalo, eu e o Rubens fomos conversar com o acusado e perguntamos se ele achava que sairia livre. Ele falou: “Estou preocupado… O Doutor Arlete falou que eu estava tocando violinha, mas eu nunca peguei uma viola na vida! Se depender de saber tocar, tô lascado!”
Você continuou trabalhando com comunicação?
Nos tempos de faculdade, o Paulo Renato e o Rubens foram para São Paulo e paramos de fazer o jornal do Grêmio Estudantil, na Difusora. Eu, então, comecei a produzir um jornal chamado “A Marcha dos Esportes” e sempre acompanhava os jogos do time de vôlei santa-ritense (ASA). O que eu escrevia, ia para o rádio e para o jornal impresso. Mais tarde, comecei a fazer o Jornal da Paróquia e só parei quando fui estudar medicina.
Como foi sua ida para a faculdade?
Do segundo para o terceiro ano colegial, estava na Pensão da Dona Júlia, conversando com um amigo médico (Ubiracy) e ele me falou: “Por que você não estuda em Portugal? Lá não tem vestibular!” E foi o que fiz. No começo de 1968, me inscrevi em Belo Horizonte e, em novembro, recebi uma carta do Ministério da Educação de Portugal, dizendo que havia sido aprovado. A viagem foi paga pelo meu irmão, Pedro Paulo. Através do Gerson Melo, soube que a prefeitura tinha uma verba destinada para os estudos e procuramos o Toninho Rennó, Presidente da Câmara, para pedir ajuda. No mês seguinte, eu estava em Coimbra.
Nos tempos de faculdade você fazia muitas viagens?
Quando estava em Coimbra, viajava muito de carona. A gente chamava de “pegar boleia”. Nas viagens a Lisboa, como não conhecia ninguém, passeava o dia todo e dormia no aeroporto. Como eu era muito católico, toda “semana santa” ia para Fátima e passava os dias de jejum, rezando. Em uma dessas viagens, fiquei triste porque não tinha dinheiro para tirar uma foto e encontrei uma maneira de mudar a situação. Eu notei que um casal (uma brasileira e um espanhol) estavam tirando fotos e me ofereci para fotografar os dois. O que eu queria aconteceu: depois que fiz a foto, eles também se ofereceram para fazer a minha.
Foi em 1971. Voltei para o Brasil por dificuldades financeiras e comecei a estudar em Itajubá, no CARO – Curso Antônio Rodrigues de Oliveira. Nesse tempo, ia e voltava todo dia de carona. No último ano, comecei a estagiar no Hospital Antônio Moreira e trabalhei com o Doutor Kallás que me ajudou muito. Também aprendi muito de medicina com o doutor Wilfredo, que conheci no Rio de Janeiro.
O senhor participou da autópsia do nazista Mengele?
Sou diretor do grupo de radiologia do IML do estado de São Paulo e, nessa ocasião, a perícia precisou identificar se o corpo exumado era do Mengele ou não. Eles ficaram sabendo, através de uma interceptação, que o Mengele morreu afogado em Bertioga e queriam descobrir se o corpo era dele e o motivo da morte. Na nossa equipe trabalharam médicos legistas da Alemanha, dos Estados Unidos e de um grupo de Israel que buscava carrascos nazistas pelo mundo. As notícias eram de que ele havia sobrevivido à guerra e que morou na Argentina, no Uruguai e no Brasil.
Fizeram a interceptação de uma correspondência do Brasil à Alemanha que mencionava a sua morte. A partir do que sabíamos, começamos a analisar o caso. Nós verificamos que ele andava muito de moto e que havia fraturado a bacia. Outra característica era o diastema (dentes separados) que ele tinha e uma fístula no maxilar superior. Após as investigações, algumas pessoas acharam que não era ele, mas foi feito o exame de DNA com um parente na Alemanha e verificou-se que estávamos realmente certos.
(Por Carlos Romero Carneiro)
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