Eu menino, em Santa Rita do Sapucaí (Por Cyro de Luna Dias)

Eu era magro, feio e dotado de uma vitalidade que o corpo franzino não demonstrava. Amava os meus livros, coisa que herdei de minha mãe que, não só lia muito, como presenteava com livros e fazia um resumo da história deles contada. Só estava parado quando lia; maior parte do tempo, vagabundeava por vargens e matas ou aprontava alguma arte. Não era mau menino, apenas “inventador de moda”, como diziam as mulheres da cozinha.

Tive caxumba, catapora, vermes, furúnculos, bichos de pé, icterícia, difteria – esta me prostrou, a única – por algum tempo. Permanentemente, tinha asma, o que me obrigava a pitar horríveis tubos de estramônio e que me deixava miando como um gato. Caí de jabuticabeiras, ameixeiras, muros e do lombo de bezerros que montava no curral da chácara. Meses de outubro ou novembro – vez ou outra – era entupido por caroço de jabuticaba, o que me forçava a tomar purgativos e, quando estes falhavam, entrava no clister, remédio odiado por todas as crianças, pois, além da falta de consideração, vinha a empregada do Dr. Antenor, pelo meio da praça, carregando o suporte de madeira com a vasilha do líquido e o tubo com o bico desinfetado. À pergunta dos passantes sobre quem iria entrar no clister, respondia, alegremente: “Ora, é o filho do Cássia!” e punha-se a rir. Felizmente, tal medicamento logo caiu em desuso.

Eu detestava almoçar ou jantar e assentava-me à mesa, mais por obrigação do que por vontade. Vivia de biscoitos, sequilhos, broas, brevidades, doces, coisas que não faltavam em casa, onde lanchavam, além de nós, cinco caixeiros da loja, viajantes, comerciais, o jardineiro da praça (o bom Manezinho Maia), visitas, parentes e conhecidos. A comprida mesa estava sempre posta. Café com leite em banho maria no fogão à lenha que nunca se apagava.

Como gostava de correr brejos atrás de rãs e saracuras, e vivia escalando coisas, estava sempre sujo e detestava banhos porque vinham sempre seguidos de roupa limpa e proibição de novas excursões. Mamãe contratou Ana, mulata acobreada, de sangue índio, forte e impassível ante rogos. Enchia a banheira com método, apalpava a temperatura da água e me catava onde estivesse, trazendo-me pendurado pelo braço e tirando minhas roupas, como depena um frango.

Chamavam-me de “gato seco”, apelido que só atendia quando dito por ela. Aprendi a não resistir mais, quando agarrado pelas tenazes de suas mãos. Hélio, irmão menor e mais teimoso, costumava opor-se. Lembro-me, um dia, ele nas garras de Ana, gritando “Não tomo banho!”. E gritando foi posto na banheira, ensaboado, esfregado, enxugado, penteado e finalmente solto. Estufou o peito e disse: “Não tomo banho… nesta casa não tem homem para me obrigar!”

(Da obra “Crônica das casas demolidas”. Editora Gabinete)

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