Em 1955, Elias Kallás (conhecido como Ely), decidiu se mudar para Belo Horizonte, onde planejava arrumar um emprego e pudesse custear os estudos. Como seu irmão, Luiz Felipe, já havia se matriculado na faculdade de medicina, seu pai – o comerciante libanês Felipe Elias – não poderia bancar os estudos de mais um filho e era preciso correr atrás.
A viagem para BH
A viagem para BH, em um trem da Rede Mineira de Viação foi bem cansativa. Ao chegar à Avenida Paraná, esquina com a Tupinambás, o rapaz se hospedou na Pensão da Dininha, famoso reduto dos estudantes de Santa Rita e Caratinga que buscavam instrução na capital mineira. Flávio Guerzoni, Fernando Costanti, Fábio Dias e Luiz Felipe eram dos nossos conterrâneos que estudavam em BH e que escolheram aquela a residência como quartel general.
Enquanto procurava emprego, Ely recebeu a primeira oportunidade, em tom de ironia. Ao perceber que ele não estudava e não trabalhava, o santa-ritense Fábio Dias brincou: “Você veio aqui para ser filhinho de papai ou para pegar no batente?”. Kallás foi convidado a atuar em uma companhia de investimentos onde passaria a prestar serviços de administração e contabilidade. “Com as aulas que tive com o professor Alan Kardek, consegui meu primeiro emprego em Belo Horizonte. Devo muito a ele.” Apesar de desempenhar otrabalho muito bem, o santa-ritense sempre foi ligado em comunicação. Na adolescência, havia trabalhado como locutor – das 19 às 21 horas – em um sistema de autofalantes de José Aguiar, instalado na atual Revistaria do Caruso, quando apresentava músicas, ofertas e as atrações do Cine Santa Rita. Ainda assim, o descendente de libaneses desempenhava com afinco a tarefa burocrática na agência financeira sem saber que a oportunidade de trabalhar com sua verdadeira vocação estava bem diante de sua porta.
A Inferno 17
No ano seguinte, os inquilinos da Pensão da Dininha decidiram montar uma república e a batizaram de “Inferno 17”, em referência a um filme sobre um campo de concentração nazista que fez sucesso, dois anos antes. Dentre os estudantes, um ilustre morador de Caratinga, muito amigo dos santa-ritenses, decidiu integrar o grupo e mudaria para sempre a vida de Ely. “O cartunista Ziraldo morava na ‘República Asilo Sinistro’, junto com outros amigos, e decidiu montar a ‘Inferno 17’ conosco.” Bem na entrada, uma placa com a frase de Dante Aleghieri dava o recado aos visitantes: ‘Deixai toda a esperança, ó vós que entrais.”
Ely conta que muitos personagens da turma do Pererê são inspirados nos colegas de Ziraldo na Inferno 17: “Alguns de nossos amigos inspiraram o Ziraldo a criar os quadrinhos, mas isso aconteceu pouco antes de montarmos a república. Do sul de Minas, temos o Galileu, por exemplo, que é o Paulo Nogueira, de Itajubá.
Quando começaram a dividir república, Ely e Ziraldo passaram a ir trabalhar juntos. Por coincidência, a agência de publicidade Standard (hoje Standard Ogilvy) ficava no mesmo prédio e no mesmo andar que a companhia financeira em que ele atuava como contador. Um dia, eu estava no meu trabalho, quando o Ziraldo chegou correndo e disse: “Ely, vem correndo que o Said Farah (presidente da agência) quer falar com você!” Quando chegou, o Farah estava com a mesa cheia de fichas mecanográficas, sem entender nada do que se tratava e perguntou se Ely conhecia contabilidade e era excelente dançarino (recomendações de Ziraldo). Quando disse que entendia um pouco do assunto, o presidente da multinacional gritou: “Está contratado!” O santa-ritense até tentou argumentar que já tinha emprego e que atuava na companhia de seguros, mas Farah respondeu que conhecia o dono do banco e que ele não ligaria de dispor de um de seus funcionários. Daquele dia em diante, Kallás se responsabilizou, não somente pelo setor administrativo da filial (com o auxílio do santa-ritense Benedito Shimidt) como também passou a desempenhar a função de “atendimento” na agência. Da maneira mais torta possível, seu sonho de se tornar um profissional de comunicação havia se concretizado.
Faculdade e a carreira profissional
Ao atuar em uma agência, Ely percebeu que “humanas” era mesmo a sua praia. Em contrapartida, queria se matricular na UFMG e não sabia qual curso escolher. Como ainda não havia sido criado o curso de propaganda, pediu a opinião de Farah que o aconselhou a estudar Ciências Sociais. Desde então, matriculou-se em Sociologia e deu início a uma carreira que faria dele – já no Rio de Janeiro e com uma pós em economia na FGV – um dos diretores da IBM (atuou 25 anos na multinacional americana) e vice-reitor da PUC. Sua missão seria desenvolver projetos ligados ao aprimoramento dos profissionais e outras atribuições.
Aposentadoria?
Ao se aposentar, Ely Kallás comprou uma fazenda em Santa Rita do Sapucaí e gostava de brincar que era o maior criador de Samambaias (planta que prejudica as plantações) de Minas Gerais. Nos anos 90, Ely implementou e gerenciou um Projeto de Consolidação do Vale da Eletrônica, através de um intercâmbio com o governo alemão, conhecido como GTZ. Através deste programa, uma série de iniciativas foram produzidas por agências dos dois países e as empresas locais deram início a um processo de internacionalização que seria de crucial importância durante a abertura econômica, acontecida na década seguinte.
A despedida
Hoje, faleceu o estimado santa-ritense que deu grande contribuição ao desenvolvimento local através de sua doação na implementação de projetos, na educação e na política. Santa Rita do Sapucaí despede-se do tradicional membro da família Kallás, sente-se enlutada e deseja forças à família na superação de incalculável perda.
(Por Carlos Romero Carneiro)
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