Especial ETE FMC

Como a ete revolucionou a cidadee o país, na década de 1970

Na pequena cidade de Santa Rita do Sapucaí, o futuro começou a ser construído com ferramentas simples, muita fé e um profundo compromisso com a educação. Durante os anos 1970, a Escola Técnica de Eletrônica “Francisco Moreira da Costa” (ETE) viveu uma transformação silenciosa, mas decisiva — marcada pela obstinação de jesuítas visionários e pelo nascimento de um polo industrial que mudaria a história do Brasil.

O legado de dom vaz e a nova administração jesuíta

A década de 1970 começou com a liderança firme e serena do padre José Carlos de Lima Vaz que, mais tarde, ficaria conhecido como Dom Vaz, à frente da ETE. Em seus últimos anos como diretor (até 1973), o sacerdote deixou um legado físico e moral incomparável. Sob sua gestão, foi erguida grande parte das estruturas que ainda hoje compõem o campus da escola: salas de aula, laboratórios, áreas de lazer, auditório, residências e muito mais.

Com criatividade e economia, a administração da ETE FMC firmou mais de 100 convênios entre os anos 60 e 70 com instituições governamentais e empresas privadas. Mas este período também foi marcado pelo cuidado nos pequenos detalhes. Era comum ver Dom Vaz pedir aos funcionários que reaproveitassem pregos tortos e pedaços de telha — uma demonstração de respeito pelos recursos e pela missão educativa da escola.

Além de construtor incansável, Dom Vaz era conhecido pela ternura. Rodeado de alunos e sempre de bom humor, cultivava uvas na residência dos Jesuítas e fazia questão de partilhá-las com os funcionários. Depois de deixar a ETE, tornou-se bispo de Petrópolis e faleceu em 2008, quando decidiu retornar a Santa Rita para viver seus últimos anos na escola que ajudou a construir. Como último pedido, escolheu ser sepultado nesta cidade, junto ao povo que tanto o amou.

Padre Raul: O Silêncio que Constrói

Em 1973, a missão de continuar esse legado foi confiada a outro jesuíta: o paulistano Raul Laranjeira. Vice-reitor comunitário da PUC-Rio, ele nunca havia visitado Santa Rita quando recebeu a nomeação. Sua resposta ao convite foi direta: “Quando devo ir?”

Antes de chegar à ETE, padre Raul Laranjeira já demonstrava firmeza de caráter e muita coragem. Durante a sua atuação como vice-reitor comunitário da PUC do Rio de Janeiro, em plena ditadura militar, preocupava-se não apenas com a formação dos jovens, mas também com sua integridade física e moral. Segundo relatos, quando um estudante era preso, não hesitava em se mobilizar. Reunia pessoas e dirigia-se ao DOPS ou ao quartel do Exército para resguardar a vida do estudante e saber o que tinha acontecido. E dizia: “Olha, a PUC sabe que fulano está preso”. Atitudes como essa demonstravam que, além de um educador meticuloso e reservado, padre Raul era profundamente comprometido com a justiça e com a dignidade humana — valores que levaria consigo para Santa Rita do Sapucaí.
Desde o início, o novo diretor — logo apelidado carinhosamente de “padre Raul” pelos santa-ritenses — mostrou que o silêncio e a seriedade podiam andar lado a lado com sensibilidade e a visão de futuro. Economizando recursos e palavras, construiu alojamentos para estudantes e casas para professores. Ao mesmo tempo em que mantinha a tradição de caminhar pelos corredores, escutava funcionários e dialogava com os alunos para compreender suas dores, alegrias e motivações.

Dom Vaz guardava uma admiração especial por seu sucessor. “O Raul foi um dos homens mais interessantes que eu conheci. Um sujeito muito engraçado por um lado e, ao mesmo tempo, muito autêntico”, recordava. “Logo após a sua chegada a Santa Rita, lembro que aconteceu uma passagem curiosa. Ele me perguntou o que poderia fazer para agradar o povo da cidade e eu disse para ele ser gentil com as crianças. Dei a ele um livro de psicologia infantil, que o recém-chegado estudou com dedicação por dois dias inteiros. Na primeira tentativa prática, saímos juntos pela cidade até avistarmos um grupo de crianças. Padre Raul se aproximou de um menino e, com a voz impostada e séria, como mandava o livro, perguntou: ‘Qual é o seu nome, menino?’ — o garotinho caiu no choro, arrancando risos de quem testemunhou a cena.”

Durante os primeiros 12 anos em que esteve à frente da escola, padre Raul consolidou uma estrutura sólida e humana. Sua conexão com a cidade e com a ETE era tão profunda que, 14 anos após o fim de seu mandato, ele retornaria para continuar a missão.

No tempo dos Festivais

Em meio ao clima de repressão e censura imposto pela ditadura militar nos anos 1970, a ETE também se tornou palco de resistência cultural e expressão artística. Inspirados pelos festivais de música popular da TV, estudantes da escola criaram o FEME — Festival de Música Estudantil — que rapidamente se tornou um dos mais importantes eventos musicais de Minas Gerais. Idealizado sob a liderança de Miguel Farbiah, então presidente do Grêmio Estudantil e talentoso pianista, o festival lotava o Auditório Sinhá Moreira com jovens, músicos e intelectuais da região. Mesmo depois de ser transferido para o campo de futebol nos fundos da escola, onde o frio cortante do inverno sul-mineiro se tornava parte da experiência, o evento manteve o prestígio, atraindo artistas de renome nacional. A cada ano, o FEME provava que, mesmo em tempos sombrios, a juventude da ETE encontrava na arte uma forma vibrante de expressão e identidade.

Um Embrião Tecnológico: O Surgimento da Linear

Foi ainda nos anos 1970 que a semente do que viria a ser o Vale da Eletrônica começou a germinar, dentro das salas e laboratórios da ETE. Em uma época em que os lares de Santa Rita sintonizavam apenas canais paulistas, a carência de transmissores de TV abriu uma oportunidade inédita.

Professores da ETE e do Inatel, então envolvidos na manutenção de retransmissores, perceberam o potencial do mercado. Assim nasceu, em 1º de novembro de 1977, a Linear Equipamentos Eletrônicos, fundada por quatro ex-alunos da escola de eletrônica: Carlos Alberto Fructuoso, Elias José Vaz Calil, José de Souza Lima e Robinson Gaudino Caputo. O primeiro produto foi um retransmissor VHF de 10W.

Um pequeno anexo ao lado da diretoria da ETE foi o primeiro lar da empresa, que sobrevivia com muito esforço — sem telefone, com turnos virando a madrugada e com o apoio direto do padre Raul. Em 1985, a Linear ganharia sede própria, e mais tarde, atravessaria fronteiras com uma filial nos Estados Unidos.
A fundação da Linear simboliza mais do que o nascimento de uma empresa — representa o despertar de um ecossistema. A ETE, inaugurada em 1959, foi o ponto de partida para a criação de instituições como o Inatel (1965) e a FAI (1971). A cultura empreendedora impulsionada por ex-alunos e educadores da escola gerou dezenas de empresas nas décadas seguintes, consolidando o nome de Santa Rita do Sapucaí no cenário nacional e internacional da tecnologia. A PROJETE — Feira de Projetos da ETE — tornou-se exemplo a ser seguido por outras instituições da cidade, como a Fetin (no Inatel) e a Faitec (na FAI). Hoje, o chamado “Vale da Eletrônica” abriga mais de 170 empresas tecnológicas e exporta tecnologia para o mundo inteiro. Todas estas obras tiveram início com o sonho plantado por Sinhá Moreira e pelos trabalhadores da ETE, em um tempo em que a tecnologia ainda dava os seus primeiros passos no país.
Os anos 1970 foram mais do que uma década de expansão física para a Escola Técnica de Eletrônica. Foram anos de semeadura profunda — de valores, de visão, de compromisso com a formação humana e tecnológica. De tijolo em tijolo, palavra por palavra, e transistor por transistor, nasceu ali a base de um dos maiores polos de inovação do país.

Legado dos anos 70

Os anos 1970 deixaram em Santa Rita do Sapucaí uma marca indelével. Neste contexto, a ETE não foi apenas um espaço de aprendizado, mas um terreno fértil para sonhos e transformações. Sob a liderança de Dom Vaz, cada tijolo e cada gesto contavam a história de um compromisso profundo com a educação, a economia de recursos e a humanidade. Padre Raul deu sequência a esse legado, combinando disciplina, sensibilidade e coragem, cultivando não apenas estruturas físicas, mas também valores que moldariam gerações.

Em meio à repressão e à censura, a ETE floresceu culturalmente, provando que arte e conhecimento andam lado a lado. E, no mesmo período, o primeiro embrião tecnológico do futuro Vale da Eletrônica começou a se formar — uma semente que hoje dá frutos para o Brasil e o mundo.

Mais do que uma escola, a ETE foi e continua sendo uma usina de talentos, onde sonhos se transformam em conquistas e onde o esforço, a visão e a dedicação de educadores e alunos moldaram um legado que ultrapassa gerações. O que começou com fé, simplicidade e coragem tornou-se um farol de inovação, humanismo e esperança, iluminando o caminho de Santa Rita do Sapucaí e de toda a América Latina. Trajetória esta que permanece viva e que ganhou impulso fundamental nos anos seguintes.

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