Se existe um momento na vida de um historiador ou jornalista em que ele se sente vivo e feliz em exercer a profissão é quando entra em contato com pessoas e histórias capazes de revelar um universo que, até então, desconhecia. Tal experiência produz uma sensação inexplicável e, inevitavelmente, vem à mente do entrevistador: “Mais pessoas deveriam estar aqui neste instante.”
Na última semana, recebemos a visita de Valéria Gervásio, moradora do bairro Rua Nova. Sua intenção era encontrar alguns vídeos com apresentações de sua mãe para que pudesse matar a saudade e guardar algumas imagens. Foi a partir daquele encontro casual que soube um pouco mais sobre Luzia Gervásio e tive ideia da quantidade de histórias que se perderam quando ela faleceu, no ano de 2006.
Até então, sabia que Luzia Gervásio (ou Maria Luíza em outra certidão), havia sido dançarina e cantora no Rio de Janeiro e que havia percorrido alguns países com uma famosa companhia de dança. Ainda não tinha ideia da infinidade de histórias, fotografias e documentos arquivados pela filha e da dificuldade que encontraria em condensar algumas delas nas limitadas páginas deste jornal.
Luzia Gervásio é resultado da união entre moradores de dois dos bairros mais calorosos de Santa Rita do Sapucaí. Seu pai, Sérgio Abel Gervásio, vivia na Rua Nova, enquanto Maria da Conceição era moradora do Matadouro (Eletrônica).
Sua história teve início quando o pai mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar no Copacabana Palace. Desde menina, Luzia se interessou pelas artes, mas não tinha aprovação de Abel. Não só ele como muitas famílias da época torciam o nariz aos artistas e viam com maus olhos as pessoas que tiravam o sustento da noite.
“Tudo começou aos 16 anos quando Malú (nome artístico de Luzia) resolveu sair de casa para trabalhar no comércio. Conheceria, pouco depois, Olga Rosa, dona de um conjunto de dança afro chamado Aranhas Negras. Naquele período, Luzia participou de um filme com Ronda Flemming e Rossano Brazzi, em que as Aranhas Negras se apresentavam em um show no Golden Room, do Copacabana Palace. Também foi convidada para atuar em uma peça de Pedro Bloch, intitulada “Soraia Posto 2”. Com direção de Nilton Santos, de “Um beijo no Asfalto”, encenou uma menina de 16 anos cujo sonho era desfilar em uma Escola de Samba.” – conta a reportagem “Malu, a história de uma estrela”, veiculada no Jornal de Niterói, em 1º de julho de 1984.
Longe dos palcos, Luzia não vivia o mesmo luxo das casas em que se apresentava e levava uma vida difícil, habitando uma casa simples em São Conrado, nos fundos de um cemitério. Quando terminavam as apresentações, procurava velórios na noite carioca, onde poderia se abrigar até o amanhecer. Em tempos mais difíceis, trabalhava dia e noite e foi reconhecida por Pelé, em um restaurante de Ipanema: “Minha irmãzinha! Você precisa de alguma coisa?” – perguntou o jogador que ouviria um “Está tudo bem” como resposta pouco convincente.” Anos antes, ganharia dele um violão autografado, mas teve que vendê-lo para manter as contas em dia.
Dias antes de ser levada por um câncer, disse às filhas que sentiria falta de três coisas: das comidas que gostava, das pessoas que amava e dos projetos que ainda sonhava ver acontecer.
Luzia ainda não teve uma homenagem à altura e nem deu nome a uma rua, como tantos benfeitores que por aqui passaram. Talvez fosse hora para um reconhecimento à sua respeitável trajetória, uma exposição de suas memórias ou levantamento de suas obras. Como Sinhá, apelido que também serviu de nome a um de seus grupos musicais (Os negros de Sinhá), a xará Luzia merece cuidado para que sua memória não se perca no tempo. Cabe à comunidade santa-ritense esta relevante e tão oportuna distinção.
(Carlos Romero Carneiro)
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