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A turma de 1981

(Por Carlos Romero Carneiro)

Na tarde de 24 de agosto de 2022, estive com quatro ex-alunos que se formaram no Inatel em 1981: Salatiel Correia, Francisco Martins Portelinha, Maurício Drumond Lima e Carlos Godoy. Em outubro deste ano, eles farão um reencontro de 41 anos de formatura e contaram um pouco de suas experiências em um tempo em que o Inatel dava os seus primeiros passos.

Aquela foi a primeira turma de Engenharia Plena de 5 anos. Um modelo que veio para substituir o curso de Engenharia Plena de 4 anos que, por sua vez, já havia substituído um curso de Engenharia Operacional que exigia complementação.

Naquela altura, quase todos os professores do Inatel vinham da EFEI, em Itajubá. As obras para a construção do prédio número um, bem atrás do edifício administrativo, acabavam de ter início. Tudo o que existia eram algumas salas de aula à direita do campus, um espaço que chamavam de “puxadinho”, outro que se referiam como “galinheiro” e, do lado esquerdo, um anfiteatro tão precário que o professor José Carlos Goulart chegou a cortar a mão tentando apagar o quadro. Enquanto lá estiveram, o diretor Luiz Gomes, conhecido como Ganso, levou cinco anos para concluir as obras do primeiro bloco. Mas se o Inatel ainda insistia em existir em um ambiente que contrariava todas as expectativas, não era diferente em relação ao ambiente tecnológico santa-ritense que, até então, não havia dado origem às indústrias de tecnologia. As maiores empresas da cidade eram, até então, a Estamparia, a Cooperativa, o Correio e o Supermercado. A Linear, primeira empresa de base tecnológica de Santa Rita, só se consolidaria algum tempo depois. Com a quantidade de demandas necessárias para que o Inatel se tornasse o que ele se propunha a ser, Luiz Gomes precisou de um suporte financeiro bem maior do que o montante arrecadado com as mensalidades pagas pelos alunos. Para isso, a instituição recebia um importante apoio do ex-professor da ETE, o político Aureliano Chaves, que naquele momento, havia se tornado Vice-Presidente da República. Outro apoio fundamental foi do político santa-ritense, Bilac Pinto, que estabelecia uma ponte entre Brasília e os interesses de Santa Rita do Sapucaí, sempre que fosse necessário.

O tempo em que os alunos da turma de 1981 ocuparam os bancos escolares do Inatel marca uma era Pré Vale da Eletrônica. Coincidiu, justamente, com o momento em que teve início o empreendedorismo em Santa Rita do Sapucaí. Além da Linear, somente outra empresa que funcionava nos fundos da casa de Miro Brandão, deu início à fabricação de transformadores, ainda sem CNPJ. A segunda empresa legalmente constituída viria para fabricar equipamentos para laboratórios de eletrônica em geral e tinha em sua constituição societária: Carlos Godoy, Wander Wilson Chaves, Souza e Eduardo Gens.

Daquela turma iniciada em 1977, entraram 120 alunos e formaram apenas 66. Como a instituição acabara de adotar o “jubilamento”, desligamento compulsório caso o aluno tomasse mais de uma bomba no mesmo período, diversos colegas tiveram que dar adeus ao sonho de se tornarem engenheiros do Inatel.
O sonho de todo aluno era atuar em uma Tele, nome dado às empresas estatais de telecomunicações. As notícias de que os alunos bem-sucedidos neste intento estavam ganhando rios de dinheiro chegavam aos ouvidos daqueles garotos e não havia quem não desejasse abraçar a oportunidade. Trabalhar em Foz de Iguaçu para comprar Whisky no Paraguai era o intento secundário de boa parte dele.

Às vésperas dos movimentos que levaram o país ao fim da ditadura militar, o Inatel entrara em greve. Barrinha, Sapatão, BH e Maurício foram alguns dos agitadores que incendiaram os demais a lutar pelas eleições diretas no Brasil. Era o movimento estudantil, mais uma vez, marcando presença no ambiente acadêmico.

Em 1981, o cenário era de grandes obras e de importantes visitas ao campus que começava a se consolidar. Muitos diziam que o diretor aplicava todos os recursos em infraestrutura, em detrimento da ampliação dos laboratórios, mas ele sabia muito bem o que estava fazendo. Para que pudessem ter acesso a recursos para satisfazer às necessidades do cotidiano, alunos e professores improvisavam e extraíam do pouco que tinham ferramentas para incrementar não só o ambiente, como também o curso. Maurício conta que, uma vez, encontrou um projetor de 16mm no porão do Inatel e resolveu montar um cineminha para entreter os alunos. As sessões aconteciam na sala do Diretório Acadêmico e era preciso mandar vir os rolos da capital paulista. Os filmes chegavam, eram assistidos e devolvidos no dia seguinte, com um investimento que comprometia a viabilidade da iniciativa. As coisas melhoraram quando souberam que uma distribuidora independente estava disposta a enviar os filmes sem cobrar pelo aluguel e nem pelo frete da ida! “Como pode???” A resposta veio quando chegaram as primeiras películas: era uma distribuidora de filmes russos, conhecida como Ouro de Moscou. “Encouraçado Potenkin”, “A greve” e outros títulos foram enviados, gratuitamente, aos alunos.

Se as coisas eram difíceis naqueles primeiros anos, algo que os antigos alunos ainda relembram com saudade era da vida noturna na cidade. Apesar de ainda existir certa rivalidade com os chamados “nativos”, os entreveros eram menores do que no início dos anos 1970 e os bares pipocavam de estudantes. Peão Rancho, Teleco, Bar do Peixe, Rosário Perrota e Modesto eram alguns dos pontos preferidos da rapaziada. “O estabelecimento do Peão era fantástico porque oferecia um ambiente muito completo para uma cidade do porte de Santa Rita do Sapucaí! Tinha restaurante, bar, boate e um espaço para bater papo que ficava aberto até quatro da manhã!” – relembra Francisco Portelinha.

A formatura, em 1981, teve Maurício como orador, José Raimundo Pereira (Jorapê) no juramento, Justinão como Patrono e um general que dirigia a usina Itaipu escalado para ser paraninfo. Como o militar deu o cano, foi determinado um representante para a turma que ainda não perdeu os laços, depois de quatro décadas. A nostalgia impera, assim como o amor que os colegas nutrem pela instituição de ensino que transformou, para sempre, a vida de cada um deles.

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