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A revolta das carrancas

Por Ivon Luiz Pinto

Em 1718, o bandeirante paulista, Capitão João Toledo Piza, vindo de Taubaté, desbravou as terras das gerais à procura de ouro, pedras preciosas e diamantes e em 1720 criou um povoado em homenagem a Nossa Senhora da Conceição que recebeu o nome de arraial de “Nossa Senhora do Rio Grande. Em 1721, foi construída uma capela que, hoje, é a Igreja Matriz. Ela tem pinturas de Mestre Joaquim José da Natividade, discípulo de Aleijadinho. Em 1736, o arraial foi elevado à categoria de freguesia.

Mais tarde, as escavações feitas pelo garimpo formaram fisionomias semelhantes a duas caras e o povoado recebeu o nome de Nossa Senhora da Conceição das Carrancas e depois Carrancas de baixo, Carrancas de Cá e, finalmente, Carrancas.

Em 1750 a Coroa portuguesa doou a João Francisco, português de São Simão da Junqueira, uma vasta sesmaria onde ele montou duas fazendas: a Campo Alegre e Bela Cruz. João Francisco passou a ser chamado de João Francisco Junqueira. Com ele tem origem a família Junqueira.

Em 1831, a fazenda Campo Alegre contava com 200 alqueires e, com o falecimento de João Francisco Junqueira, suas terras passaram por herança a seus dois filhos. A fazenda Campo Alegre ficou para Gabriel Francisco Junqueira, que se tornou político da Facção Liberal Moderada. Em 1831, foi eleito deputado e, depois, em 11 de outubro de 1848, recebe de D. Pedro II o título de Barão de Alfenas. Seu irmão José Francisco Junqueira ficou com a fazenda Bela Cruz.

No dia 13 de maio de 1833, os escravos da Fazenda Campo Alegre, de Gabriel Francisco Junqueira, começaram uma revolta. Gabriel Francisco de Andrade Junqueira, filho de Gabriel Francisco Junqueira, era Juiz de Paz de São Tomé das Letras e, na ausência do pai, tomava conta dos negócios da fazenda. Nesse dia 13, na parte da manhã, ele foi supervisionar o trabalho dos escravos e os revoltosos o surpreenderam e o assassinaram sem nem descer do cavalo.

João Cândido da Costa Junqueira, proprietário da fazenda Bom Jardim, tendo conhecimento sobre o que ocorrera nas Fazendas de Campo Alegre e Bela Cruz, tomou providências para a defesa e reuniu vassalos de confiança. Conforme o processo dos autos, os líderes escravos Ventura Mina, João Inácio Firmino, Matias e Antônio Cigano, foram mortos.

Foi na Fazenda Bela Cruz que ocorreram os episódios mais sangrentos e cruéis. Manoel José da Costa, genro de José Francisco Junqueira, foi assassinado ao entrar na fazenda Bela Cruz.
José Francisco Junqueira e sua esposa Antônia Maria de Jesus se refugiaram em um quarto, mas não conseguiram escapar. Manoel das Vacas arrombou a porta do quarto e Antônio Retireiro disparou dois tiros no rosto de José Francisco Junqueira. Todos os presentes no quarto foram massacrados, como a mulher, filhas e netas de José.

O auto de corpo de delito diz que Antônia Maria de Jesus possuía ferimentos no rosto, couro cabeludo e grande derramamento de sangue. As feridas foram feitas com objetos cortantes e a vítima estava muito ensanguentada da cintura para baixo, causando grande aflição às testemunhas. As vítimas homens foram castradas. Ana Cândida Costa, viúva de Francisco José Junqueira, foi assassinada a golpes de foice, no quintal da fazenda, pelos revoltados Sebastião, Pedro Congo, Manoel Joaquim e Bernardo. Seu corpo estava em um estado deplorável, seu rosto estava desfigurado e sua cabeça não estava unida ao corpo. Além dela, duas crianças e um bebê de 2 meses também foram mortos com requintes de crueldade.
O libelo acusatório (Proc. f. 116) do “Processo dos Junqueiras” cita Francisco Silvério Teixeira como o mentor e incitador da insurreição. Era ele fazendeiro no Termo de Campanha e compadre de Gabriel Francisco Junqueira, fato que lhe permitia acesso à fazenda.

A revolta tinha como finalidade atingir a liberdade, mas, também, propunha matar todos os brancos e apossar de suas fazendas. Entre os cabeças da revolta, destacaram-se Ventura Mina (Campo Alegre), Joaquim Mina (Bela Cruz) e Damião (Campo Belo). Este último se enforcou quando soube que fora denunciado.

Em 15 de maio de 1833, o juiz de paz de Pouso Alto avisou a Câmara Municipal de Resende sobre os acontecimentos de Carrancas, pois o grupo de revoltosos pretendia atacar outras fazendas.
No Vale do Paraíba paulista, as regiões de Areias e Bananal foram logo avisadas do que ocorrera em Carrancas.

Os rebeldes de Carrancas foram severamente punidos. Dezesseis foram condenados à pena de morte por enforcamento e executados em praça pública, na Vila de São João Del-Rei. Muitos revoltosos, para evitar as condenações, fugiram para São Tomé das Letras e consta que João Antão se escondeu em uma gruta e lá encontrou a imagem de São Tomé, juntamente com uma carta.

Essa foi uma das maiores penas coletivas à morte às quais foram condenadas pessoas escravizadas na história do Brasil. Tal Revolta teve grande impacto nas instâncias de poder da corte. Quatro projetos foram enviados à Câmara dos Deputados, em 10 de junho de 1833. Um se referia ao julgamento dos crimes cometidos por escravizados. Esse projeto antecipava o texto da lei de 10 de junho de 1835, que determinava a pena de morte para escravos envolvidos no homicídio de seus senhores e parentes.

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