A peste de varíola e o primeiro cemitério dos colonizadores de Santa Rita do Sapucaí

(Carlos Romero Carneiro)

Um trecho da obra “Crônica das Casas Demolidas”, de Cyro de Lunas Dias, sobre a peste de varíola acontecida em nosso povoado, ainda no século XIX, suscitou uma série de questões sobre o primeiro cemitério da cidade. Acompanhe, a seguir, um estudo que nos leva ao que poderia ter sido o primeiro cemitério na comunidade que daria origem a santa Rita do Sapucaí.

Texto de Cyro de Luna Dias: “No fim do século XIX, a varíola varre o sul de Minas. Não se conhecem remédios específicos; queimam as roupas e objetos tocados pelos doentes; fumigam as casas queimando cânfora herbácea, bálsamo e arruda; Pasteur já havia descoberto a existência dos bacilos, mas são nebulosos sua reprodução e meios de transmissão: dezenas de mortos nas roças são proibidos de serem enterrados na cidade; temem-se os corpos como viveiros de micróbios; a família Ribeiro do Vale cede terras fora do perímetro urbano para cemitério dos pobres ceifados pela epidemia. Constrói-se uma capela, hoje em ruínas, onde é invocado um único poder contra a terrível moléstia: Deus e Santa Rita. Finalmente se afasta a onda mortal; muitos atingidos pela doença curam-se e trazem no rosto desfigurado pelas cicatrizes, a marca da varíola. Os homens daquele tempo só podiam contar com as suas orações e com os chás das humildes plantinhas das suas hortas. Seus descendentes desconhecem a imensidão dos seus sacrifícios, o custo dos seus legados.”

Debate entre pesquisadores – Ao expor este texto entre um grupo de pesquisadores locais que trocam informações sobre a história de Santa Rita do Sapucaí, tivemos a seguinte informação pelo historiador, Neco Torquato Villela: “Pelas minhas anotações, já havia um cemitério no Pouso do Campo, desde o início do século XIX. Tenho registros de sepultamento nesse cemitério, entre 1820 e 1825, anotados nos livros da Matriz de Natércia. Esse cemitério foi desativado assim que a primeira Capela de Sta Rita recebeu autorização para o seu cemitério próprio, mas o Campo Santo do Pouso do Campo ainda permaneceu por lá, com uma capelinha marcando o local. Durante a epidemia da tal bexiga preta, o cemitério foi reativado excepcionalmente.”

O historiador e jornalista, Jonas Costa, decifrou os registros encontrados na Matriz de Natércia: “Aos trinta dias do mês de Novembro do Ano de mil oitocentos [e] vinte e três, sepultou-se no Cemitério do Pouso do Campo desta Matriz Manoela Maria de Jesus, que foi casada com José Custódio Correa; faleceu em idade de vinte e quatro anos e de parto [?]; por isso sem Sacramentos, seu cadáver foi envolto em lençol, e sua alma encomendada por mim, para constar fiz este assento, que assino. O Vigário Mariano Accioli d’Albuquerque.”

Neco Torquato complementou os seus apontamentos com as informações fornecidas por outro importante historiador local, Adirson Ribeiro, que estabeleceu registros sobre o início do povoado: “Ainda sobre o cemitério do Pouso do Campo, o Sr. Adirson Ribeiro escreveu: ‘Em 1873/1874, uma terrível peste assolou a região – a varíola pinta preta – popularmente chamada de ‘bexiga’. Os que a contraíram, e sobreviveram, ficaram com o rosto deformado – ‘com cara de bexiguento’, como diziam. Por precaução, as autoridades proibiram que fossem trazidos à cidade, para sepultamento, os mortos contaminados. Vicente Ribeiro do Vale cedeu, então, uma parte de sua várzea para cemitério. Muitas pessoas ali foram sepultadas, inclusive membros da Família Ribeiro do Vale. A mortandade foi muito grande. Há uns anos atrás, notavam-se vestígios desse Campo Santo.”

O historiador, Neco Torquato, prosseguiu com seus comentários e nos deu pistas de como poderíamos encontrar o local exato deste antigo cemitério: “Me lembro do Senhor Mota, morador do Pouso do Campo, comentar a respeito de onde ficava tal Capela e seu Campo Santo, mas não me lembro ao certo onde era. Talvez conversando com moradores mais antigos da região, alguém ainda saiba dizer onde era tal local.”

Em busca do Campo Santo – Parti com outro pesquisador, Edésio Magalhães, em busca do “Cemitério da Vargem” e chegamos ao local onde teria existido o “Campo Santo”. Sua localização é exatamente em frente ao antigo Porto Sapucaí, embora esteja localizado na margem oposta do rio. Segundo nos informaram alguns trabalhadores rurais da propriedade onde as vítimas da “bexiga” foram sepultadas, não sobrou qualquer vestígio de que pessoas foram enterradas por ali. Eles nunca viram a capelinha erigida no local e nem qualquer vestígio de que ali havia um cemitério. O ponto de sepultamento é quase à beira do rio, em local bem afastado da sede da fazenda. Há um descampado, com uma grande várzea alagadiça e vacas pastavam no local onde, há mais de duzentos anos, os primeiros moradores de nossa cidade eram enterrados. Os antigos moradores do Pouso do Campo sabem precisar o local, todos conhecem a história, mas nenhum deles afirmou ter visto uma capela em ruínas ou algum vestígio de sepultamento. Como máquinas agrícolas trabalham no local, pode ser que os despojos já tenham sido retirados. Outro elemento que pode ter colaborado para o desaparecimento de qualquer sinal foram as enchentes. Infelizmente, não tivemos acesso ao que pode ter sido o primeiro cemitério do povoado.

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