Na ampla cozinha, o fogo crepita alegremente no fogão alimentado à lenha dos troncos secos de café. No furo maior da trempe, no tacho de cobre borbulha algo que ferve e Sá Antônia mexe com a colher de pau. Acocorada numa banqueta baixa, Maria Bonita descasca batatas. Na porta que dá para o quintal, uma réstia de sol ilumina Sô Benedito que, sentado no degrau, pita sossegadamente. Pela janela aberta, entra a tarde suave e uma águia de bronze, asas abertas, paira sobre a branca parede do cinema. No fundo, à meia légua distante, a serra da Cachoeirinha parece um elefante deitado, coberto de mato, onde os nambus aninham. Eu, sentado na taipa do fogão, asso pinhões. Devia ser fins de abril, princípios de maio, porque os pinhões estavam maduros. O pinhão estala e salta com as cascas esfoliadas, como asas de gafanhotos. Eu apanho no ar trocando de mãos, rapidamente, para que não me queime.
Há quietude em toda a casa, exceto os estalidos da lenha e o borbulhar do doce no tacho. Entra a Carmélia Severini, cumprimenta a todos e põe-se a observar o tacho, eu e Maria Bonita. Logo a visitante interrompe o silêncio:
– Luizinha sonha ter um filho padre. – Pensou em todos, menos no Cyro…
Ao mencionar o meu nome, Maria Bonita começou a rir:
– Cyro, padre! – e ria mais.
– Ora, bem que gostaria – disse eu – de ouvir vocês todos no confessionário!
Maria tinha parado o serviço e ria abertamente, batendo as mãos nos joelhos, como costumava fazer nos acessos de riso.
Sá Antônia parecia quieta, mas nuvenzinhas rápidas pulavam da concha do pito, demonstrando que ria também. Carmélia não gostou daquilo e franziu os sobrolhos.
Botei lenha na fogueira:
– Posso ser padre, até santo, mas só vou atender com milagres quem beijar a minha estampa.
O riso da Maria ressoava por toda a casa:
– Santo lambedor de lagarto!
Maria tomava fôlego e dizia:
– Padroeiro dos entupidos por caroço de jabuticaba! – mais risos.
Continuei assando os meus pinhões, alheio à geral hilariedade.
(Por Cyro de Luna Dias – Crônica das Casas Demolidas. Editora Gabinete)
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