José Gonçalves Mendes, o Zezico, sempre gostou de fazer negócio. Dona Geralda dizia que o marido saía de casa com botas novas e, dali a pouco, retornava com um par de botinas gastas e alguns trocados no bolso. Aos 27 anos, o comerciante mudou-se para Santa Rita com a mulher e seus 8 filhos. Por volta de 1962, comprou a casa do Senhor Manoel Bernardes, no final da rua Silvestre Ferraz, e começou a negociar veículos em um terreno ao lado. Por ter adquirido um amplo espaço, muitos moradores de rua fizeram do local uma espécie de albergue sem taxa de hospedagem. A rotatividade de “hóspedes” era tamanha que um deles, ex-gerente de banco que perdeu tudo no mercado de ações, abordou Zezico e desabafou: “Vou embora daqui! Este lugar anda muito bagunçado.” De certa forma, as reivindicações faziam sentido. Naquele ambiente não habitavam apenas personalidades folclóricas como Dito Cutuba, Marote e Tianinha. Diversos animais, das mais diferentes procedências, também foram acolhidos e eram tratados como membros da família.

Jefferson Gonçalves Mendes, filho de Zezico, lembra quando o pai ganhou um porco de presente, levou para casa, mas ficou com dó de matá-lo. Testemunhas confirmam que, enquanto fechava negócio, o bicho ficava deitado ao lado da mesa e era acariciado na cabeça pelo comerciante. Outro morador do estacionamento era um galo índio de temperamento difícil. O bicho não podia ver alguém abaixar para avaliar um veículo que aproveitava para descer as esporas. O animal não respeitava nem os donos da casa. Dona Geralda chegou a arrebentar as sandálias enquanto fugia, em uma de suas investidas. Sua maior vítima era um cãozinho chamado Muqui que fazia de tudo para passar despercebido. Se a vida não era fácil com a presença do galo, as coisas pioraram quando Zezico recebeu um macaco como pagamento em uma das barganhas. O bicho não dava sossego, nem para Muqui, nem para os vizinhos. Era bem comum vê-lo descer as escadas montado no vira-lata ou ser acusado de revirar os pertences da vizinhança.

Com o passar dos anos, os negócios aumentaram e as viagens tornaram-se frequentes. O negociante tinha cerca de 150 veículos, guardados em uma chácara tão surreal quanto o estacionamento no centro da cidade. Dentro dela, havia uma represa com jacarés, quatis criados soltos no mato e até uma onça enjaulada.

Os negócios iam tão bem que Zezico chegou a comprar dois aviões Cessna. O piloto era um veterano de 70 anos, substituído quando o comerciante, após uma semana de aula, aprendeu a pilotar. Como não sabia utilizar os instrumentos de navegação, ia pelo jeito mais fácil: sobrevoava as rodovias até chegar ao destino.
Como poucas pessoas tinham a oportunidade de voar, um amigo pediu que Zezico realizasse o seu sonho: passear de avião. O único problema era que o homem morria de medo de altura e o passeio deveria ser feito sem decolagem. Após uma volta lenta pela pista, o avião retornou ao ponto inicial e o amigo disse, satisfeito: “Andar de avião é mesmo uma gostosura!”. Outro fato pitoresco aconteceu quando Zezico foi de jipe para uma fazenda fechar negócio e recebeu uma vaca de troco. Sem saber o que fazer, colocou o bicho sentado no banco de trás e tocou para Santa Rita.

Com a mesma velocidade com que lucrava, Zezico também perdia. Se num dia chegava com malotes de verdinhas, em outro pousava com grandes prejuízos. Seus amigos a-creditam que ele nunca ligou muito para dinheiro. Prova disso foi quando vendeu um caminhão para um homem e, quando foi receber, soube que o freguês morava com os fi-lhos na boleia. O comerciante não apenas recusou o negócio como deu-lhe uma boa ajuda financeira.
Outra investida no ramo dos negócios foi quando comprou uma pedreira, na entrada da cidade. Em uma das explosões que o obrigavam a bloquear a rodovia, seus funcionários já tinham começado a dinamitar a montanha, quando perceberam que um casalzinho “namorava” entre pedras e explosivos. Tiveram que interromper, às pressas, e bater atrás da dupla de peladões que, desnorteados, correram em direção à BR-459.

Depois de uma vida de aventuras, Zezico faleceu no dia 15 de agosto de 1988 e findou uma das trajetórias mais interessantes de Santa Rita. Através do relato dos filhos e amigos, reconstituímos parte das memórias que fizeram dele uma figura que colecionou as mais incríveis peripécias. Hoje, moradores de um bairro na “Nova Cidade” referem-se a ele ao citar o local onde moram: “Conjunto Habitacional José Gonçalves Mendes”. Já os amigos, lembram-se dele pela alcunha: “O inacreditável Zezico”.

(Por Carlos Romero Carneiro)

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