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A última entrevista de Cyro de Luna Dias

Cyro de Luna Dias, uma das vozes mais respeitadas de Santa Rita do Sapucaí, silenciou-se no dia 15 de junho de 2006. Alguns dias antes, a imprensa ouvira sua voz pela última vez. As últimas e sábias palavras do escritor Cyro foram ditas em entrevista ao jornalista Evandro Carvalho e ao sociólogo Yago Bueno. O encontro foi registrado pelo fotógrafo Paulo Frias, com quem Yago pretendia criar a revista chamada “Trilhos”. Assim falou Cyro de Luna Dias.

Cyro de Luna Dias – Era prefeito de São Paulo o Dr. Jânio Quadros, que foi meu colega de colégio lá em Lorena (SP), no [Ginásio] São Joaquim; meu inimigo, eu brigava muito com ele. Ele declarou: “Eletrônica em Santa Rita do Sapucaí é o maior absurdo! Por que não traz isso para São Paulo?” Não tinha nada na América do Sul, ninguém tinha ouvido falar em eletrônica a não ser a Sinhá Moreira. Ela deu esse impulso porque ganhou uma alma nova no Japão. Uma pessoa, pela instrução, troca a alma dela. Vocês, jornalistas, devem convidar o povo todo a trocar também de alma, tomar conhecimento das coisas que estão acontecendo no mundo e aqui dentro do país.

Yago Bueno – O senhor fala no livro “Crônica das Casas Demolidas” que a pessoa que incentivou o gosto da leitura no senhor foi sua mãe. Eu queria que o senhor aprofundasse mais nisso.

Cyro – Minha mãe comprava livros em várias editoras do Rio e reunia as amigas lá em casa. E eu assistia aquelas reuniões e conhecia grandes romances. Eu tinha oito ou nove anos e sabia a história do Corcunda de Notre-Dame. Tinha aquela: “O Dilúvio”, de [Henryk] Sienkiewicz, que narra a libertação da Polônia.
Yago – Um autor que o senhor cita muito é o Dante [Alighieri, poeta italiano], da “Divina Comédia”. Acho que esse livro marcou muito o senhor. Por quê?

Cyro – Eu gosto daquele livro. Ele criou uma beleza de verso, só mesmo uma pessoa que lê no italiano pode sentir aquilo.

Yago – É o grande livro que o senhor leu na vida, o melhor livro?

Cyro – Não. Eu colocaria em primeiro lugar os evangelhos. Depois, o “Sermão da Montanha”, o Dante Alighieri, aquele alemão “O Gueto”, os ingleses, [o dramaturgo William] Shakespeare… Aqui em Santa Rita deveria ter uma biblioteca vendendo esses clássicos. Para achar um clássico desses, tem que ir ao Rio de Janeiro. Eu aconselho o seu jornal a publicar, de vez em quando, um comentário sobre esses livros.

Evandro – Sem dúvida.

Cyro – Você acredita que veio um rapaz do Canadá e leu esse meu livro [“Crônica das Casas Demolidas”]? Ele é brasileiro e passou por Santa Rita para me conhecer. Quer dizer, o livro já atingiu alguma coisa fora daqui de Santa Rita.

Yago – Dr. Cyro, quais são os filósofos que marcaram a formação do senhor?

Cyro – Eu tive um período socialista. Meu professor Leônidas de Rezende [teórico marxista] tinha um livro, “O Trabalho e a Remuneração”, e ele me deu esse livro. Eu me tornei socialista, mas, depois, fui percebendo que a esquerda não resolve nada. O que resolve mesmo é uma democracia de centro, como o Reino da Suécia, a Polônia e até a Alemanha e a França. Com os países socialistas eu perdi o entusiasmo também por motivo religioso. Eu fui criado desde pequeno rezando para o anjo da guarda toda noite. Mas comigo vocês não vão ter mais nada que aprender. Vocês vão ter, agora, que procurar o que vem por aí.

Evandro – O senhor tem idéia, mais ou menos, do que vem por aí, Dr. Cyro? O que o senhor projeta para os próximos anos?

Cyro – Aqui no Brasil, cá entre nós, eu estou achando que a mesa virou para a esquerda.

Evandro – O senhor é pessimista ou é otimista?

Cyro – Não sei. Quem for comunista, fica alegre. Quem não for… Para mim, tanto faz o Brasil estar de esquerda ou de direita. Eu, logo, estou mesmo quieto lá no céu, se é que eu vou lá. Maria Bonita [Maria Idalina de Jesus, líder negra] era muito minha amiga e dizia assim para mim quando eu era pequeno: “Quando eu morrer, eu vou estar sentada no colo de nosso senhor Jesus Cristo”. Eu falei: “Maria, você passa a mão na testa dele. Se tiver chifre, pula fora!” Ela deu risada, não falou mais. A gente não sabe o que vai ser, não é?

Evandro – Mas o senhor não acha o discurso do PT, hoje o discurso da esquerda do Brasil, muito parecido com o discurso do PSDB? Não é a mesma coisa? Não é o verso do reverso?

Cyro – Lula é mais PSDB do que o Fernando Henrique.

Yago – Qual a visão que o senhor tem hoje do Getúlio Vargas?

Cyro – O Getúlio era um típico ditador. O Congresso contrariava, ele mandava a cavalaria lá e fechava. Eu acompanhava o Bilac Pinto [deputado santa-ritense que foi presidente da UDN, União Democrática Nacional] e fui contra o Getúlio sempre. Fui até candidato a prefeito aqui pela UDN, mas apanhei, graças a Deus. Quando eu apanhei, fiz concurso para juiz. Se eu fosse eleito prefeito daqui, não iria poder fazer nada, não tinha verba, iria ficar feito um bobão aí.

Yago – O senhor está com algum projeto de um outro livro?

Cyro – Não. Eu tenho vários escritos aí que eu não publiquei. Naquele livro das casas demolidas, eu cortei uma porção de capítulos para baratear. Tenho um livro sobre a história da fundação de Ouro Preto (MG). Eu escrevi um livro contra o Fernando Henrique. Por quê? Pura revolta.

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